setembro 28, 2006

Mãe

Mãe é...
Querer bem
Preocupação
Ter um aperto no coração
Não dormir
Estar ansiosa
Saber ouvir
Sempre carinhosa
Ter quem amar
Por mim esperar
Ver-me e sorrir
Ter esperança
Não desistir
Não querer incomodar
E tudo compreender
Mãe é...
Um abrigo, porto seguro e o nosso lar também.

adc

setembro 25, 2006

Não é fácil o amor


Não é fácil o amor
melhor seria arrancar um braço
fazê-lo voar
Dar a volta ao mundo
abraçar todo o mundo
fazer da alegria o pão nosso de cada dia
não copiar os males do amor
matar a melancolia que há no amor
querer a vontade fria
Ser cego surdo mudo
não sujeitar o amor ao destino de cada um
não ter destino nenhum
ser a própria imagem do amor
Pôr o coração ao largo
não sofrer os males do amor
não vacilar
ter a coragem
de enfrentar a razão de ser da própria dor
porque o amor é triste
não é fácil o amor

Luís Andrade

setembro 24, 2006

Os olhos do poeta

O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.



Manuel da Fonseca

setembro 21, 2006

Cantiga, partindo-se


Senhora, partem tam tristes

Meus olhos por vós, meu bem,

Que nunca tam tristes vistes

Outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,

Tam doentes da partida,

Tam cansados, tam chorosos,

Da morte mais desejosos

Cem mil vezes que da vida.

Partem tam tristes os tristes,

Tam fora d'esperar bem,

Que nunca tam tristes vistes

Outros nenhuns por ninguém.

João Roiz de Castell-Branco

setembro 17, 2006

Máscaras



Coloca uma máscara que oculte a tristeza,

Um sorriso que mostre certeza,

Disfarce que pare a ansiedade.

Coloca um olhar que esconda a verdade,

Coloca uma máscara que te dê cor,

Que te facilite o caminho.

Acalme o tremor.

Que se cole a ti e adoce um sorriso definitivo.

Outro eu vivo.

adc

setembro 16, 2006

setembro 14, 2006

A beleza


A beleza
Sempre foi
Um motivo secundário
No corpo que nós amamos;
A beleza não existe,
E quando existe não dura.
A beleza
Não é mais do que o desejo
Fremente
Que nos sacode...
- O resto, é literatura.


António Botto

setembro 07, 2006

Picasso -... ao espelho...


Poema da Menina Tonta

A menina tonta passa metade do dia
a namorar quem passa na rua,
que a outra metade fica
pra namorar-se ao espelho.
A menina tonta tem olhos de retrós preto,

cabelos de linha de bordar,
e a boca é um pedaço de qualquer tecido vermelho.
A menina tonta tem vestidos de seda

e sapatos de seda,
é toda fria, fria como a seda:
as olheiras postiças de crepe amarrotado,
as mãos viúvas entre flores emurchecidas,
caídas da janela,
desfolham pétalas de papel...
No passeio em frente estão os namorados

com os olhos cansados de esperar
com os braços cansados de acenar
com a boca cansada de pedir...
A menina tonta tem coração sem corda

a boca sem desejos
os olhos sem luz...
E os namorados cansados de namorar...
Eles não sabem que a menina tonta
tem a cabeça cheia de farelos.

Manuel da Fonseca

setembro 01, 2006

Picasso - Blue Nude


O Livro dos Amantes IX

Pusemos tanto azul nessa distância

ancorada em incerta claridade

e ficámos nas paredes do vento

a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves

que secam folhas nas árvores dos dedos.

E ficámos cingidos nas estátuas

a morder-nos na carne dum segredo.

Natália Correia