maio 31, 2006



Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados
que eu ando a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

maio 28, 2006

Quentura

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Aquece a pele
A pele doura-se
Amorna a vida
A vida abranda
Ferve o sangue
O sangue flui

Arrepia a nuca
Na nuca a mão
Estremece membros
Membros enfraquecem
Arrefece os ânimos
Ânimos e vontades

Relaxa estendido
Descontrai no horizonte
Descansa a mente
Mente vagueia
Horizonte azul-de-metileno
Estendido na areia

adc

maio 25, 2006

Por TIMOR



Mar Meu

Pudesse eu
Prender entre os dedos
Os suspiros do mar
E distribui-los
Às crianças

Pudesse eu
Acariciar com os dedos
A suave brisa das ondas
E sentir cabelos
De crianças

Pudesse eu
Sentir nos dedos
O beijo das espumas
E ouvir risos
De crianças

Pudesse eu
Tocar com os dedos
O sono do mar
E embalar os olhos
De crianças
(...)

Oh, mar meu!
Porque esperas?
Porque não dás?
Porque não sentes?
Porque não ouves?
(...)

Xanana Gusmão

maio 23, 2006

Que bom adormecer assim:

Canção para a minha filha Isabel adormecer quando tiver medo do escuro

Nem sombra nem luz
nem sopro de estrela
nem corpinhos nus
de anjos à janela
nem asas de pombos
nem algas no fundo
nem olhos redondos
espantados do mundo
nem vozes na ilha
nem chuva lá fora
dorme minha filha
que eu não vou embora

Lobo Antunes

maio 22, 2006



Abundância de
Burocracia
Cataplexia
Desarmonia
Epizootia das
Finanças, da Economia...

maio 20, 2006

12 anos depois


O mesmo som,
A mesma melodia
Que traz o sabor
Da ausente alegria.
O mesmo tom,
A mesma sinfonia
Recorda o temor
A perda nesse dia.
A mesma música
A mesma toada,
Saudade que fica
Pela existência apagada.
A mesma canção,
A mesma recordação,
A mesma saudade
Toda a eternidade.

adc

maio 18, 2006

Laços? Limites?




Pudesse Eu

Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!

Sophia de Mello Breyner Andresen

maio 17, 2006

O que é voar?


É só subir no ar,
levantar da terra o corpo,os pés?


Isso é que é voar?
Não.


Voar é libertar-me,
é parar no espaço inconsistente,
é ser livre,leve,independente,
é ter a alma separada de toda a existência,
é não viver senão em não-vivência.


E isso é voar?
Não.


Voar é humano,
é transitório,momentâneo...


Aquele que voa tem de poisar em algum lugar:
isso é partir e não voltar.

Ana Hatherly

maio 15, 2006

Podia ter sido neste telhado!



Segunda

Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,

das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...

... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebessem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.

Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas
a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.
E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!

E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira,
que levou o chapéu do senhor administrador!
Em toda a vila,
se falou, logo, num caso de política;
o senhor administrador
mandou vir, da cidade, uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário,
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...

Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!


Manuel da Fonseca

Um presente!!!


Hoje, recebi um presente.
Daqueles maravilhosos presentes
que nos surpreendem…

Ele correu saltitando até mim.
Espreitei para o bolso do inquieto garoto.
Olhei com cuidado…
já esperava alguma surpresa.

Magnífico: uma mão cheia
de recortadas folhas, terra ou areia
e mais de vinte pequenos caracóis.

Fiz uma careta, mas não devia,
deve ter demorado muito tempo
a recolher aqueles tesouros.
Que prenda magnífica!

Nada me poderia provocar um sorriso mais intenso!
Devemos sempre agradecer os presentes da vida.
adc

maio 14, 2006

Ai, Deus, e u é?


Ai, flores, ai, flores do verde pino
Ai, flores, ai, flores do verde pino, se sabedes novas do meu amigo?
Ai, Deus, e u é?
Ai, flores, ai, flores do verde ramo, se sabedes novas do meu amado?
Ai, Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo, aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai, Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado, aquel que mentiu do que mi à jurado?
Ai, Deus, e u é?
Vós me preguntades polo vosso amigo?
E eu ben vos digo que é sano e vivo.
Ai, Deus, e u é?
Vós me preguntades polo vosso amado?
E eu ben vos digo que é vivo e sano.
Ai, Deus, e u é?
E eu ben vos digo que é sano e vivo e seerá vosco ante o prazo saido.
Ai, Deus, e u é?
E eu ben vos digo que é vivo e sano e seerá vosco ante o prazo passado.
Ai, Deus, e u é?
D. Dinis